terça-feira, 6 de novembro de 2012

2 - Regresso.

  É estranho estar mais uma vez em casa, sentir o calor deste lugar, respirar este ar que há muito se fazia ausente no meu ser, cada tragada um odor diferente. 
 Quando cheguei já se fazia noite, era segunda feira, um horário mais que seguro para eu me apresentar. Muitos esperavam dentro de minha nova/antiga casa. Fora estranho ver todos os meus amigos ali, além de muitos outros que eu não conhecia, mas podia ver por si só que seria muito bem recebido por eles. 
  Todos me lançavam olhares esperançosos, aqueles que só são úteis para aumentar cada vez mais o peso da falha no final de tudo. Agora me olhavam sorrindo todos sabiam o que eu era, alguns também o eram, e depois de tudo me lançariam seus melhores olhares decepcionados. Caminhei impassível no meio deles. Estavam todos ali. Albert, Jared, Elliot, Rodger, Kate, Harry, Louis, Lana e Juliet. 
  Mas de todos apenas uma me olhava com olhar sincero, era esta Lana. A pequena garota de 12 anos, cabelos negros e os olhos topázio. Seus olhos mesmo inocentes carregavam consigo a culpa, a culpa da morte, a culpa da ajuda. Ela se perdera por mim. mas isso é outra historia, nada que vá intervir nesse momento.
  Prosseguindo: Isso de regresso, é a mim tão melancólico, algo nada insólito. Tudo isso de ter que voltar a respirar o ar salgado desta região faz magoar-me mais, cada vez mais. Cada lufada de ar me faz memorar tantas tragédias, tantas vidas perdidas. Eu nunca quis esse destino para mim, mas acontece que destino não é algo que a gente possa escolher, é tudo prescrito, cada detalhe para nos levar a certo rumo, e o meu rumo em nada se fazia belo.
  - Tudo bem com você? ­- Este era meu pai, Albert, com seu jeito nada sensível tentando cumprir mais uma vez o seu papel de pai presente.
  - Sim! - respondi com os olhos preso ao livro de paginas encardidas por sobre minha escrivaninha. O lápis fazia círculos próximos a minha orelha num sinal de impaciência e bloqueio criativo. - Por que não estaria? - Larguei enfim o lápis e virei-me para encontrar os olhos profundos dele.
  - Kate e eu estamos felizes que tenha voltado - ele usou seu tom mais solene, mais sereno e compassivo. Sabia que falar de Kate comigo era algo difícil  além de trazer à tona brigas e intrigas que ajudariam mais uma vez a me levar embora, para longe dali.
  - Não me importo- respondi friamente. A resposta pareceu não assustá-lo nem intimidá-lo.
  - Mesmo assim - ele prosseguiu. - É bom tê-lo de volta.
  Eu me virei de frente para a escrivaninha e fechei o velho livro abotoando sua capa de couro e guardando-o dentro de uma mochila. Assim que joguei a mochila por sobre a cama arrumada fui até a porta do guarda roupas e detrás dela tirei minha velha jaqueta de couro. Era incrível como tudo havia permanecido no lugar, minhas roupas, meus livros, meus discos de vinil.
  - Aonde você vai? - Meu pai perguntou.
  - Preciso dar uma volta. - respondi ignorando-o e saindo do quarto. Pude ouvir os passos dele seguindo-me até a escada, onde ele me parou segurando meu braço antes que eu começasse a descer. Dali de cima pude ouvir os risos da suposta família feliz.
  - Por favor - ele sussurrou de forma rude puxando-me com força. Eu senti o toque dele gelado, mas não me deixei intimidar, olhei no fundo dos olhos dele de forma que provocava cada vez mais a ira dele. - Só por hoje à noite.
  - Me solta - disse mais alto que ele.
 Quando ele me soltou com medo de eu ter chamado atenção com meu repentino pedido, não hesitei duas vezes antes de começar a descer as escadas.
  Quando desci o ultimo degrau e aterrissei na sala, pude ver cada um daqueles rostos novamente, e comecei a rememorar como cada um me acusaria depois. Agora estavam ali impassíveis, como uma família normal, trocando risos, rindo de coisas que não tinham o menor sentido. Seguravam agora cada um uma taça de cristal preenchida até certo ponto com vinho.
  Esbocei um pequeno sorriso sem significado e fiz um leve cumprimento com o dedo indicador e o médio, e sem pronunciar uma única palavra durante os segundos de silêncio que eles fizeram tentando  entender, eu saí pela porta da frente indo em direção à garagem.
  Ali continuara guardada minha velha moto, estava agora orando para que ela ainda funcionasse. A Yamaha V-Max preta estava da forma que a deixei, é certo que alguém a ligava ora ou outra, talvez Harry na esperança de um dia eu voltar.
  Montei nela e me alegrei quando ouvi o motor funcionar.
  Dali em diante seria apenas eu, a moto, e umas cartas de baralhos no bar do Phil's
  Nada muito importante aconteceu durante a minha viagem no trajeto ao bar do Phil's, o que tenho a registrar aqui e agora é mesmo o que aconteceu lá.
  O bar era dividido em três partes separadas por grandes portas de vidro. Eram elas: Pista de dança, Bar, e salão de jogos. O nome Bar do Phil's, era mais por conveniência  algo para ocultar da policia a boate clandestina que a costa toda sabia existir ali, boate esta que apenas os policiais fingiam não saber existir, mas que hora ou outra iam lá, a trabalho, ou a paisana. Eis ai mais algum motivo pelo qual eu odeio essa cidade, mas muito outro vem trazendo-me de volta para cá, contra minha vontade, contra meu desejo.
  Continuando: O bar era o primeiro salão, onde eu peguei um copo de vodca e o misturei com um tanto de Coca-Cola. Nunca gostei de beber.
  O segundo salão era o salão de jogos, uma grande área com mesas de diferentes tipos de jogos dispostas aleatoriamente durante aqueles muitos metros quadrados. As vezes eu ia ali apenas para escrever, por que era ali que eu tinha paz, mesmo irônico por ser um lugar agitado onde a musica alta e o cheiro de tabaco e  bebida é capaz de deixar qualquer um desnorteado. Eu gostava de tudo aquilo, de poder sentir aquilo, era esse meu refugio, meu abrigo.
  Quando entrei naquele salão naquela noite, eu fui surpreendido. Não literalmente, pois o que eu vira ali já era mais que aguardado  por mim.
  Eu vi Anna.
  Fora ela o motivo da mina ultima fuga, o motivo da minha espessa lucidez. E confesso agora que quando a vi jogada por sobre aquela mesa de sinuca passeando pelo salão com o olhar, algo me feriu. E o que mais me feriu em tudo aquilo fora ela ter involuntariamente encontrado meus olhos nesse longo passeio e se prender no vislumbre deles, de começar a me encarar com certa curiosidade.
  Quando a vi dentro de mim tive o desejo de chorar, mas enfim fui tomado pela felicidade de avistar as feições dela e soltei um leve sorriso nada revelador. Ela não o retribuiu como era de se esperar, ignorou minha presença em segundos, talvez por não me conhecer ainda ou por ter se interessado mais no seu amigo que chegara logo em seguida com suas piadas nada engraçadas.
   Naquele olhar minha noite fora mais que desfeita, fora destroçada.
  Após uma breve partida de pôquer eu voltei para casa soturna da mesma forma que sai, chegando e encontrando Albert e  Kate dialogando algo sobre mim. Era isso neles que eu odiava, isso de quererem me mudar, isso de quererem controlar quem eu sou.
  Quando decifrei o olhar de Kate assim que entrei, percebi que seria mais uma noite tediosa, que se estenderia muito além da madrugada, composta por discuções e brigas, isso se eu permitisse.
  Quando ela me fitou, eu apressei o passo em direção ao quarto. Harry pediu que ela esperasse e foi atrás de mim.
  Fechei a porta pouco antes de ele se por diante dela
  - Mike - ele chamou. Não respondi. - Mike!
  - O que é? - gritei impaciente.
  - Precisamos conversar.
  - Eu não quero conversar.
  - Eu e Kate...
  -Não fale dela comigo - gritei irado interrompendo-o.
  - Mike - ele retrucou - está na hora de você amadurecer. Por menos que você queira Kate gora é a sua mãe.
  - Não, ela não é minha mãe. 
  Tirei do bolso o celular e de uma gaveta às pressas, um fone de ouvido. Abafei os gritos dele à porta com a musica e como em muitas vezes, desejei em vão conseguir dormir, o sono não me ocorria e os sonhos pareciam ter medo de mim, tanto que andavam longe da minha mente. Eu chorei pela primeira vez desde o meu regresso, chorei tanto que me surpreendi por ter dado tanto tempo, essa trégua,  essa paz.

Por: Fabricio Medeiros

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