As aulas daquele dia foram
estressantes e muito, muito chatas. Dois períodos de química logo pela manha,
seguidos de um período de matemática e outro de física fizeram-me ter repulsa
por números durante o resto do dia.
A única pessoa capaz de acalmar meu cérebro seria Tyler, cuja presença não foi extinta naquele dia.
Enquanto saia pelos portões da escola, meio distraída, e ia em direção ao estacionamento da escola, esbarei em alguém e o fichário que carregava nas mãos caiu, abrindo-se e espalhando folhas para todos os lados. Abaixei-me rapidamente para ajuntar as folhas, e a pessoa a minha frente fez o mesmo.
— Desculpa — falei, sem prestar atenção a quem.
— Não. Eu que deveria me desculpa.
Assim que terminou a frase, levantei os olhos para ele e vi quem era.
Era o mesmo garoto que vira entrar no bar no dia anterior. Levantei-me e coloquei as folhas dentro do fichário, quando percebi que ele tinha uma das mãos — que estava cheia de folhas — estendida para mim. Peguei as folhas da mão dele e estava pronta para continuar a andar quando ele estendeu novamente a mão para mim, sugerindo que eu a apertasse.
— Acho que não nos conhecemos, sou Mike.
Apertei sua mão e falei:
— Eu sou Anna.
Ele pousou o olhar sobre mim por tempo demais, e comecei a sentir minhas bochechas corarem.
— Então Anna. Em que turma você estuda?
Achei estranha sua pergunta, já que nos conhecemos a menos de cinco minutos. Mas respondi:
— No 1° ano. E você? Pretende estudar aqui também?
— Sim, vim me matricular.
Mais alguns segundos de silêncio, e resolvi falar:
— Então tá! Não quero parecer grosseira, mas eu tenho que estar em outro lugar em 15 minutos. Então se não se importa…
— Não! Claro, pode ir. Não quero atrasa-la.
Lhe enviei um sorriso simpático e sai andando. Alguns passo adiante ouvi novamente sua voz:
— Anna! — ele gritou para que eu ouvisse, me virei e o vi na metade da escada que compunha a entrada do colégio. — Nos vamos amanhã?
— Claro que sim! — respondi em um tom de cordialidade.
Continuei andando até chegar ao carro. Abri a porta, sentei, coloquei a mochila no banco do carona e procurei o celular. Quando o encontrei, vi três mensagens de Tyler. Fiquei aliviada por não serem noticias ruins, pois tentara ligar para ele o dia inteiro para saber o motivo de sua falta ao colégio. A primeira mensagem dizia:
Desculpe, não posso atendê-la. Mas quero que você venha a minha casa o mais depressa o possível quando sair da escola. Preciso de você.
A segunda, que foi mandada no minuto em que o sinal de saída soou, dizia:
Você tem exatamente 20 minutos para estar aqui.
E a terceira, que foi mandada vinte e dois minutos depois do sinal, dizia:
Você vem ou não vem? Estou esperando uma resposta.
Tentei pensar em um jeito de dizer a Tyler que não podia, porque iria jantar com meu pai. Mas ele não iria desistir até me ter a sua frente. Resolvi ligar para meu pai e desmarcar nosso jantar, já que jantava com ele todas as noites no mesmo restaurante desde que mamãe foi embora e a cozinha ficou inutilizada.
Meu pai e eu não sabíamos cozinhar, e não tínhamos vontade nenhuma de aprender, mas isso foi bom, pois conhecemos todos os restaurantes e lanchonetes da cidade.
Eu estava dirigindo até a casa de Tyler, quando algo tomou conta de meus pensamentos. O rosto de Mike. Eu o conhecia de algum lugar, mas não sabia de onde. Não era como se tivesse o visto em algum lugar além do bar na noite passada, era como... Como se o conhecesse há mais tempo. Ele parecia estar a tanto tempo em minha vida quanto Tyler.
Balancei a cabeça para tentar me concentrar na rua e seguir para a casa de Tyler.
Menos de 10 minutos depois de ter saído do estacionamento da escola, estava parada com o carro na frente da casa de Tyler.
Desliguei o motor e desci do carro. Dei dois passos na calçada e o vi abrindo a porta da frente.
Tyler parecia um cachorrinho que recebe seu dono com as orelhas em pé e o rabo balançando, feliz da vida.
Continuei andando em sua direção e quando estava na escada que dava para a varanda, ouvi Tyler falar com a voz rouca e ruidosa:
— Até que enfim você veio. Fiquei esperando a tarde toda.
— Eu, ao contrário de você, estava estudando.
Quando me aproximei mais dele percebi como parecia doente. Estava usando pijama sob um roupão pesado e grosso, o nariz estava vermelho e seus olhos lacrimejavam. Ele estava gripado.
Eu me aproximei mais um pouco para abraça-lo, mas ele se distanciou e disse:
— Não chegue perto. Não quero que você contraia a minha doença, ela pode ser terminal.
— Pare com isso Tyler. É só uma gripe. Gripe essa que está te deixando paranoico.
— Está bem então, se você prefere ficar doente... — disse ele enquanto me abraçava.
Seu abraço sempre fora apertado e inspirava segurança, mas hoje era seco e distante, como se quisesse me proteger dele mesmo.
— Eu trouxe a matéria para você copiar, não tem muita coisa, mas trouxe mesmo assim. — disse enquanto entregava o fichário para ele. Quando olhei para o fichário que ele acabara de tirar de minhas mãos, me lembrei do incidente de mais cedo e falei:
— Espere, tenho que organizar as páginas.
Sentei-me no sofá e o abri. Vi que poucas folhas ainda continuavam no lugar e outras estavam amassadas no canto.
— Quem foi que o atropelou? — perguntou Tyler, sentando-se ao meu lado.
— Eu dei um encontrão em um garoto no final da aula. O mesmo garoto que estava no bar na noite passada.
— Humm, você fez isso de propósito não é? Fez isso só para conhecê-lo.
— Não, eu simplesmente não olhei para onde estava indo. Mas descobri que o nome dele é Mike e que vai estudar conosco — abri um sorrisinho e continuei falando. — Não que eu esteja feliz por ter um desconhecido estudando em nossa turma, mas ele parece ser simpático. E além do mais ele é bonitinho, não existem muitos garotos bonitos na nossa escola. E nenhum deles estuda conosco.
— Obrigado por acabar de dizer que eu sou feio. Mas isso não vem ao caso, você precisa se apaixonar por alguém. Posso não conhecê-lo, mas se é para fazer você parar de se meter no meu namoro com a Rose, dou o maior apoio.
— Então você acha que estou me metendo no seu namoro? Desculpe meu querido, mas eu acho que quem atrapalha minha vida com briguinhas por ciúmes é você.
— Então está bem, não falo mais nada para você sobre a Rose.
— Ótimo!
Ficamos algum tempo sem falar, tempo suficiente para que eu acabasse de organizar as folhas do fichário.
Assim que acabei, fechei o fichário, entreguei-o para Tyler e estava pronta para levantar quando ele me pegou meu braço e disse:
— Me desculpe se fui grosso, mas Rose anda me estressando muito. Ela parece não se importar comigo e sempre discute quando toco no seu nome, Anna. Não sei mais o que faço, nem me visitar ela veio.
— Eu acho que o namoro de vocês não anda muito bem. E uma coisa eu sei sobre esse tipo de relacionamento: quando não está mais dando certo, é hora de acabar com tudo. Talvez fosse melhor para vocês dois. Não vejo você feliz há dias, e quando peço o que aconteceu, o motivo é sempre ela. Se você parar para pensar, nem ela deve estar se sentindo feliz com isso.
— Você até pode ter razão, mas não sei se isso é uma boa ideia. Por que ela pode não gostar disse e por a culpa em você.
— Ótimo! Assim não terei mais motivos que me obriguem a gostar dela. Mas a decisão é sua. Cabe a você decidir se quer continuar sofrendo, ou começar a se divertir de novo.
— Gosto mais da segunda opção. — disse ele com um sorriso preguiçoso nos lábios.
Eu levantei e do sofá, peguei minha bolça e disse a ele:
— Tenho que ir, prometi ao meu pai que chegaria em casa sedo.
— Mas já? Pensei que ficaria para pegar de volta as matérias.
— Passo aqui pela manhã antes de ir para a escola. Esteja acordado! — ordenei indo em direção à porta. — Por favor, tente não magoar a Rose se for falar com ela hoje. Não vai querer uma ex-namorada vingativa atrás de você pro resto da vida, vai?
— Pode deixar, vou tentar não falar o que está engasgado na minha garganta há tempos.
— Está bem. Vejo você amanha.
Eu o abracei. Seu abraço parecia melhor agora, Parecia um abraço de agradecimento.
Comecei a descer as escadas que davam para a calçada e fui em direção ao carro, Já estava escuro e imaginei que meu pai iria somente me pedir para não fazer mais isso. Demorei um pouco para achar as chaves dentro da bolsa, desviei o olhar para o fim da rua e vi uma moto preta se aproximando vagarosamente. Fiquei assustada e tentei abrir a porta do carro o mais rápido possível, mas as chaves caíram no chão.
Arisquei dar mais uma olhada antes de pegar as chaves do chão e sair correndo de volta a casa de Tyler. Pulei os degraus de dois em dois e cheguei à porta. Bati com toda a força que tinha na porta, ouvi os passos apressados de Tyler no piso de madeira. Ele abriu a porta e eu me atirei para dentro o mais rápido que pude.
— Feche a porta! — ordenei ofegante.
— O que aconteceu?
— Não fale! — protestei recostando-me na porta — Ouça!
O som da moto foi ficando cada vez mais alto e quando se aproximou de onde eu imaginava estar meu carro, ela acelerou e sumiu depois da esquina.
— Acho que estavam me seguindo. — disse a Tyler, tentando controlar minha respiração.
— Por que fariam isso?
— Não sei. Não tenho motivos para ser seguida por um cara em uma moto preta. Pelo menos acho que não.
Tyler se aproximou de mim e me tomou nos braços. Entreguei-me a seu abraço e afundei o rosto em seu peito.
— Estou com medo, Tyler. —disse, temendo que tivesse começado a chorar.
Ele ficou em silêncio enquanto afagava meus cabelos.
— Vou ligar para seu pai, acho melhor você ficar aqui esta noite. Vou colocar o carro na garagem e depois eu ligo para ele. Ok?
Assenti com a cabeça. Não conseguiria voltar dirigindo para casa, não estando tão nervosa e assustada.
Ele desfez nosso abraço e me guiou até o sofá, depois foi em direção à cozinha.
Minutos mais tarde voltou com uma xicara de chá de melissa e a entregou para mim, dizendo:
— Vou ver se acho algo que sirva em você como um pijama.
Assenti novamente com a cabeça. Embora Tyler estivesse doente, ainda encontrava forças para cuidar de mim. Sempre que eu precisara dele, ele estava lá. Como se fosse um guarda-costas, um protetor ou um anjo da guarda.
Algumas imagens passaram por minha cabeça, como a de um anjo com assas muito brancas, envolto em uma aura extremamente reluzente. Depois outro anjo com uma pessoa em seus braços, como se a tivesse salvado de alguma coisa.
Assim que ouvi os passos de Tyler na escada, meus pensamentos voltaram ao o que havia acontecido minutos antes. Ele caminhou até mim, me entregou uma de suas camisetas e disse:
— Vista isso para dormir, você pode ficar no meu quarto. Meus pais só voltarão amanhã à noite. Me dê a chave do carro, vou guarda-lo na garagem.
Ele estava sério quando saiu pela porta, me deixando sozinha novamente.
Fui levar a xicara na cozinha e comecei a subir as escadas até o quarto dele. Cheguei à frente da porta, ela estava irreconhecível. Se não conhecesse aquela casa há tanto tempo, certamente me perderia por aquele corredor. A porta não era mais cheia de adesivos de “afaste-se” ou de pôsteres de bandas de rock.
Abri a porta temendo o que teria lá dentro. Quando consegui avistar seu interior, quase não reconheci o quarto. Antigamente era cheio de mais pôsteres de bandas e luzes escuras, roupas eram encontradas por todo o chão. Típico de um adolescente revoltado.
Mas agora o quarto estava arrumado, iluminado adequadamente e muito, muito diferente. A cama, arrumada, estava virada de frente para a porta e dois criados-mudos, um com um abajur e outro com alguns livros. A esquerda havia uma estante cheia de livros que ia até o teto, uma escrivaninha pequena com um computador e uma pilha de CD’s ao lado e a porta do banheiro. Do lado direito havia somente o armário e alguns quadros onde a parede era visível.
Andei até o banheiro e tirei a roupa para colocar a camiseta, que parecia uma camisola indo até metade da coxa. Dobrei minhas roupas e as coloquei na cadeira da escrivaninha. Andei até a estante de livros e comecei a inspeciona-la.
Reconheci vários livros, os que eu já tinha lido, os que eu dera para ele e alguns que eu o ajudara a escolher. Peguei um exemplar original de O Moro dos Ventos Uivantes e deitei na cama sobre os cobertores.
Um instante depois Tyler abriu lentamente a porta e olhou para mim.
— Está tudo bem? Você está confortável?— perguntou ele enquanto entrava e fechava a porta.
— Aham! Esta tudo bem. — disse, me endireitando para recostar-me na cabeceira da cama.
Ele andou até o armário e o abriu, tirando lá de dentro uma caixinha prateada. Veio até a cama e a entregou a mim.
— Oque é isso? — perguntei.
— Abra, é um presente.
Abri o laço que envolvia a caixinha e a abri. Lá dentro vi um colar. A corrente era de ouro branco e o pingente tinha uma pedra azul brilhante.
— É lindo! — exclamei.
Entreguei o colar a Tyler e virei e costas para ele, afastando os cabelos da parte de traz do pescoço.
— Eu ia dar de presente a você no seu aniversário, mas você precisa de algo que a proteja quando eu não estiver por perto. Dizem que a pedra afasta qualquer tipo de mal — ele falou enquanto fechava o colar.
— Obrigada!
Passei os braços em volta dele para dar-lhe um abraço.
— Já está ficando tarde, é melhor você dormir para ir a aula amanha. Vou descer. Boa noite! — disse ele enquanto se levantava da cama.
— Fique! Por favor!? — disse, enquanto pegava sua mão impedindo o de sair. — Pelo menos até eu pegar no sono.
Ele me encarou por alguns segundos e começou a caminhar até o outro lado da cama enquanto eu me abrigava debaixo das cobertas. Ele esperou que eu me ajeitasse e deitou-se ao meu lado sobre as cobertas.
Eu virei de lado, ficando de costas para ele. Senti que ele afagava meus cabelos, fazia isso com tanto carinho e cuidado que não resisti ao sono que inundou meu corpo por completo e adormeci rapidamente.
A única pessoa capaz de acalmar meu cérebro seria Tyler, cuja presença não foi extinta naquele dia.
Enquanto saia pelos portões da escola, meio distraída, e ia em direção ao estacionamento da escola, esbarei em alguém e o fichário que carregava nas mãos caiu, abrindo-se e espalhando folhas para todos os lados. Abaixei-me rapidamente para ajuntar as folhas, e a pessoa a minha frente fez o mesmo.
— Desculpa — falei, sem prestar atenção a quem.
— Não. Eu que deveria me desculpa.
Assim que terminou a frase, levantei os olhos para ele e vi quem era.
Era o mesmo garoto que vira entrar no bar no dia anterior. Levantei-me e coloquei as folhas dentro do fichário, quando percebi que ele tinha uma das mãos — que estava cheia de folhas — estendida para mim. Peguei as folhas da mão dele e estava pronta para continuar a andar quando ele estendeu novamente a mão para mim, sugerindo que eu a apertasse.
— Acho que não nos conhecemos, sou Mike.
Apertei sua mão e falei:
— Eu sou Anna.
Ele pousou o olhar sobre mim por tempo demais, e comecei a sentir minhas bochechas corarem.
— Então Anna. Em que turma você estuda?
Achei estranha sua pergunta, já que nos conhecemos a menos de cinco minutos. Mas respondi:
— No 1° ano. E você? Pretende estudar aqui também?
— Sim, vim me matricular.
Mais alguns segundos de silêncio, e resolvi falar:
— Então tá! Não quero parecer grosseira, mas eu tenho que estar em outro lugar em 15 minutos. Então se não se importa…
— Não! Claro, pode ir. Não quero atrasa-la.
Lhe enviei um sorriso simpático e sai andando. Alguns passo adiante ouvi novamente sua voz:
— Anna! — ele gritou para que eu ouvisse, me virei e o vi na metade da escada que compunha a entrada do colégio. — Nos vamos amanhã?
— Claro que sim! — respondi em um tom de cordialidade.
Continuei andando até chegar ao carro. Abri a porta, sentei, coloquei a mochila no banco do carona e procurei o celular. Quando o encontrei, vi três mensagens de Tyler. Fiquei aliviada por não serem noticias ruins, pois tentara ligar para ele o dia inteiro para saber o motivo de sua falta ao colégio. A primeira mensagem dizia:
Desculpe, não posso atendê-la. Mas quero que você venha a minha casa o mais depressa o possível quando sair da escola. Preciso de você.
A segunda, que foi mandada no minuto em que o sinal de saída soou, dizia:
Você tem exatamente 20 minutos para estar aqui.
E a terceira, que foi mandada vinte e dois minutos depois do sinal, dizia:
Você vem ou não vem? Estou esperando uma resposta.
Tentei pensar em um jeito de dizer a Tyler que não podia, porque iria jantar com meu pai. Mas ele não iria desistir até me ter a sua frente. Resolvi ligar para meu pai e desmarcar nosso jantar, já que jantava com ele todas as noites no mesmo restaurante desde que mamãe foi embora e a cozinha ficou inutilizada.
Meu pai e eu não sabíamos cozinhar, e não tínhamos vontade nenhuma de aprender, mas isso foi bom, pois conhecemos todos os restaurantes e lanchonetes da cidade.
Eu estava dirigindo até a casa de Tyler, quando algo tomou conta de meus pensamentos. O rosto de Mike. Eu o conhecia de algum lugar, mas não sabia de onde. Não era como se tivesse o visto em algum lugar além do bar na noite passada, era como... Como se o conhecesse há mais tempo. Ele parecia estar a tanto tempo em minha vida quanto Tyler.
Balancei a cabeça para tentar me concentrar na rua e seguir para a casa de Tyler.
Menos de 10 minutos depois de ter saído do estacionamento da escola, estava parada com o carro na frente da casa de Tyler.
Desliguei o motor e desci do carro. Dei dois passos na calçada e o vi abrindo a porta da frente.
Tyler parecia um cachorrinho que recebe seu dono com as orelhas em pé e o rabo balançando, feliz da vida.
Continuei andando em sua direção e quando estava na escada que dava para a varanda, ouvi Tyler falar com a voz rouca e ruidosa:
— Até que enfim você veio. Fiquei esperando a tarde toda.
— Eu, ao contrário de você, estava estudando.
Quando me aproximei mais dele percebi como parecia doente. Estava usando pijama sob um roupão pesado e grosso, o nariz estava vermelho e seus olhos lacrimejavam. Ele estava gripado.
Eu me aproximei mais um pouco para abraça-lo, mas ele se distanciou e disse:
— Não chegue perto. Não quero que você contraia a minha doença, ela pode ser terminal.
— Pare com isso Tyler. É só uma gripe. Gripe essa que está te deixando paranoico.
— Está bem então, se você prefere ficar doente... — disse ele enquanto me abraçava.
Seu abraço sempre fora apertado e inspirava segurança, mas hoje era seco e distante, como se quisesse me proteger dele mesmo.
— Eu trouxe a matéria para você copiar, não tem muita coisa, mas trouxe mesmo assim. — disse enquanto entregava o fichário para ele. Quando olhei para o fichário que ele acabara de tirar de minhas mãos, me lembrei do incidente de mais cedo e falei:
— Espere, tenho que organizar as páginas.
Sentei-me no sofá e o abri. Vi que poucas folhas ainda continuavam no lugar e outras estavam amassadas no canto.
— Quem foi que o atropelou? — perguntou Tyler, sentando-se ao meu lado.
— Eu dei um encontrão em um garoto no final da aula. O mesmo garoto que estava no bar na noite passada.
— Humm, você fez isso de propósito não é? Fez isso só para conhecê-lo.
— Não, eu simplesmente não olhei para onde estava indo. Mas descobri que o nome dele é Mike e que vai estudar conosco — abri um sorrisinho e continuei falando. — Não que eu esteja feliz por ter um desconhecido estudando em nossa turma, mas ele parece ser simpático. E além do mais ele é bonitinho, não existem muitos garotos bonitos na nossa escola. E nenhum deles estuda conosco.
— Obrigado por acabar de dizer que eu sou feio. Mas isso não vem ao caso, você precisa se apaixonar por alguém. Posso não conhecê-lo, mas se é para fazer você parar de se meter no meu namoro com a Rose, dou o maior apoio.
— Então você acha que estou me metendo no seu namoro? Desculpe meu querido, mas eu acho que quem atrapalha minha vida com briguinhas por ciúmes é você.
— Então está bem, não falo mais nada para você sobre a Rose.
— Ótimo!
Ficamos algum tempo sem falar, tempo suficiente para que eu acabasse de organizar as folhas do fichário.
Assim que acabei, fechei o fichário, entreguei-o para Tyler e estava pronta para levantar quando ele me pegou meu braço e disse:
— Me desculpe se fui grosso, mas Rose anda me estressando muito. Ela parece não se importar comigo e sempre discute quando toco no seu nome, Anna. Não sei mais o que faço, nem me visitar ela veio.
— Eu acho que o namoro de vocês não anda muito bem. E uma coisa eu sei sobre esse tipo de relacionamento: quando não está mais dando certo, é hora de acabar com tudo. Talvez fosse melhor para vocês dois. Não vejo você feliz há dias, e quando peço o que aconteceu, o motivo é sempre ela. Se você parar para pensar, nem ela deve estar se sentindo feliz com isso.
— Você até pode ter razão, mas não sei se isso é uma boa ideia. Por que ela pode não gostar disse e por a culpa em você.
— Ótimo! Assim não terei mais motivos que me obriguem a gostar dela. Mas a decisão é sua. Cabe a você decidir se quer continuar sofrendo, ou começar a se divertir de novo.
— Gosto mais da segunda opção. — disse ele com um sorriso preguiçoso nos lábios.
Eu levantei e do sofá, peguei minha bolça e disse a ele:
— Tenho que ir, prometi ao meu pai que chegaria em casa sedo.
— Mas já? Pensei que ficaria para pegar de volta as matérias.
— Passo aqui pela manhã antes de ir para a escola. Esteja acordado! — ordenei indo em direção à porta. — Por favor, tente não magoar a Rose se for falar com ela hoje. Não vai querer uma ex-namorada vingativa atrás de você pro resto da vida, vai?
— Pode deixar, vou tentar não falar o que está engasgado na minha garganta há tempos.
— Está bem. Vejo você amanha.
Eu o abracei. Seu abraço parecia melhor agora, Parecia um abraço de agradecimento.
Comecei a descer as escadas que davam para a calçada e fui em direção ao carro, Já estava escuro e imaginei que meu pai iria somente me pedir para não fazer mais isso. Demorei um pouco para achar as chaves dentro da bolsa, desviei o olhar para o fim da rua e vi uma moto preta se aproximando vagarosamente. Fiquei assustada e tentei abrir a porta do carro o mais rápido possível, mas as chaves caíram no chão.
Arisquei dar mais uma olhada antes de pegar as chaves do chão e sair correndo de volta a casa de Tyler. Pulei os degraus de dois em dois e cheguei à porta. Bati com toda a força que tinha na porta, ouvi os passos apressados de Tyler no piso de madeira. Ele abriu a porta e eu me atirei para dentro o mais rápido que pude.
— Feche a porta! — ordenei ofegante.
— O que aconteceu?
— Não fale! — protestei recostando-me na porta — Ouça!
O som da moto foi ficando cada vez mais alto e quando se aproximou de onde eu imaginava estar meu carro, ela acelerou e sumiu depois da esquina.
— Acho que estavam me seguindo. — disse a Tyler, tentando controlar minha respiração.
— Por que fariam isso?
— Não sei. Não tenho motivos para ser seguida por um cara em uma moto preta. Pelo menos acho que não.
Tyler se aproximou de mim e me tomou nos braços. Entreguei-me a seu abraço e afundei o rosto em seu peito.
— Estou com medo, Tyler. —disse, temendo que tivesse começado a chorar.
Ele ficou em silêncio enquanto afagava meus cabelos.
— Vou ligar para seu pai, acho melhor você ficar aqui esta noite. Vou colocar o carro na garagem e depois eu ligo para ele. Ok?
Assenti com a cabeça. Não conseguiria voltar dirigindo para casa, não estando tão nervosa e assustada.
Ele desfez nosso abraço e me guiou até o sofá, depois foi em direção à cozinha.
Minutos mais tarde voltou com uma xicara de chá de melissa e a entregou para mim, dizendo:
— Vou ver se acho algo que sirva em você como um pijama.
Assenti novamente com a cabeça. Embora Tyler estivesse doente, ainda encontrava forças para cuidar de mim. Sempre que eu precisara dele, ele estava lá. Como se fosse um guarda-costas, um protetor ou um anjo da guarda.
Algumas imagens passaram por minha cabeça, como a de um anjo com assas muito brancas, envolto em uma aura extremamente reluzente. Depois outro anjo com uma pessoa em seus braços, como se a tivesse salvado de alguma coisa.
Assim que ouvi os passos de Tyler na escada, meus pensamentos voltaram ao o que havia acontecido minutos antes. Ele caminhou até mim, me entregou uma de suas camisetas e disse:
— Vista isso para dormir, você pode ficar no meu quarto. Meus pais só voltarão amanhã à noite. Me dê a chave do carro, vou guarda-lo na garagem.
Ele estava sério quando saiu pela porta, me deixando sozinha novamente.
Fui levar a xicara na cozinha e comecei a subir as escadas até o quarto dele. Cheguei à frente da porta, ela estava irreconhecível. Se não conhecesse aquela casa há tanto tempo, certamente me perderia por aquele corredor. A porta não era mais cheia de adesivos de “afaste-se” ou de pôsteres de bandas de rock.
Abri a porta temendo o que teria lá dentro. Quando consegui avistar seu interior, quase não reconheci o quarto. Antigamente era cheio de mais pôsteres de bandas e luzes escuras, roupas eram encontradas por todo o chão. Típico de um adolescente revoltado.
Mas agora o quarto estava arrumado, iluminado adequadamente e muito, muito diferente. A cama, arrumada, estava virada de frente para a porta e dois criados-mudos, um com um abajur e outro com alguns livros. A esquerda havia uma estante cheia de livros que ia até o teto, uma escrivaninha pequena com um computador e uma pilha de CD’s ao lado e a porta do banheiro. Do lado direito havia somente o armário e alguns quadros onde a parede era visível.
Andei até o banheiro e tirei a roupa para colocar a camiseta, que parecia uma camisola indo até metade da coxa. Dobrei minhas roupas e as coloquei na cadeira da escrivaninha. Andei até a estante de livros e comecei a inspeciona-la.
Reconheci vários livros, os que eu já tinha lido, os que eu dera para ele e alguns que eu o ajudara a escolher. Peguei um exemplar original de O Moro dos Ventos Uivantes e deitei na cama sobre os cobertores.
Um instante depois Tyler abriu lentamente a porta e olhou para mim.
— Está tudo bem? Você está confortável?— perguntou ele enquanto entrava e fechava a porta.
— Aham! Esta tudo bem. — disse, me endireitando para recostar-me na cabeceira da cama.
Ele andou até o armário e o abriu, tirando lá de dentro uma caixinha prateada. Veio até a cama e a entregou a mim.
— Oque é isso? — perguntei.
— Abra, é um presente.
Abri o laço que envolvia a caixinha e a abri. Lá dentro vi um colar. A corrente era de ouro branco e o pingente tinha uma pedra azul brilhante.
— É lindo! — exclamei.
Entreguei o colar a Tyler e virei e costas para ele, afastando os cabelos da parte de traz do pescoço.
— Eu ia dar de presente a você no seu aniversário, mas você precisa de algo que a proteja quando eu não estiver por perto. Dizem que a pedra afasta qualquer tipo de mal — ele falou enquanto fechava o colar.
— Obrigada!
Passei os braços em volta dele para dar-lhe um abraço.
— Já está ficando tarde, é melhor você dormir para ir a aula amanha. Vou descer. Boa noite! — disse ele enquanto se levantava da cama.
— Fique! Por favor!? — disse, enquanto pegava sua mão impedindo o de sair. — Pelo menos até eu pegar no sono.
Ele me encarou por alguns segundos e começou a caminhar até o outro lado da cama enquanto eu me abrigava debaixo das cobertas. Ele esperou que eu me ajeitasse e deitou-se ao meu lado sobre as cobertas.
Eu virei de lado, ficando de costas para ele. Senti que ele afagava meus cabelos, fazia isso com tanto carinho e cuidado que não resisti ao sono que inundou meu corpo por completo e adormeci rapidamente.
Escrito por: Joseane Ramos